Editado no Premiere? Feito com DSLR ou mirrorless? As clickbaits do A/V…

André Rodrigues — Filmmaker
8 min readDec 30, 2018

Depois de falar desse assunto muitas vezes em diversos grupos porém de forma que as informações ficam muito espalhadas, resolvi juntar tudo num só artigo para quem sabe ajudar a esclarecer algumas pessoas de um engano comum hoje no audiovisual.

Você certamente já viu algum post, foto, vídeo e etc sobre “aquela câmera X que foi usada em tal filme” ou sobre aquele “filme famoso que foi editado no Premiere”. Mas o que muito gente não para pra pensar quando vê esse tipo de coisa é na força do marketing dentro do mercado audiovisual. Aí inocentemente a pessoa leva aquilo como uma verdade absoluta e acredita piamente em certas coisas que estão longe de ser a realidade da indústria.

Caros leitores, reparem que toda vez que surge um post, imagem, foto no instagram ou algo assim sobre um filme que foi "editado" no Adobe Premiere, a timeline na imagem mostra claramente que ele foi editado no Premiere. Quando estamos falando de grandes projetos, “editado” significa montado. O que isso quer dizer? Existe uma coisa chamada de montagem offline: isso significa que fora a montagem, absolutamente tudo no processo de pós-produção é feito em outros softwares. Tratamento de cor, VFX, composição e assim por diante são feitos cada um em um software específico. Depois tudo é exportado destes softwares e enviado de volta ao software de montagem para ser montado. E como veremos mais à frente no comentário do Wilton Matos, nem sempre esse é um workflow muito comum na grande indústria.

Sendo assim temos vários takes prontos, importados na biblioteca do projeto, organizados e colocados em sequência juntamente com o áudio na timeline, sendo feita assim a montagem do filme.

Isso tudo é pra deixar claro que ao contrário do que muita gente acredita, não é feito um projeto como o público em geral do software está acostumado a fazer. Não temos num projeto grande como este mil takes em dynamic link com outros softwares. Nem efeitos, transições ou tratamentos de cor e etc. Não há de áudio nem a utilização de dezenas de plugins externos. Nada disso é feito ali diretamente na timeline como se faz em projetos menores. Em resumo, não é como estamos acostumados a colocar todos os clipes na timeline, aplicar transições, aplicar efeitos e tratamentos nativos e de plugins externos também, depois tratar o áudio e etc tudo diretamente na timeline do projeto.

Faça um teste e crie uma timeline dessa de duas horas, com centenas de clipes e cortes como essas que vemos por ai de filmes no Premiere e utilize tudo isso que eu falei. No primeiro minuto de vídeo o Premiere já não vai aguentar. Seu PC vai “explodir” com duas horas disso. Imagina um filme como Deadpool que foi "editado" no Premiere, cheio de VFX, tratamentos e por ai vai. Se tudo aquilo fosse feito como fazemos normalmente sabemos bem o resultado final disso: Premiere com lag, travando, corrompendo projetos e etc.

"Ah André, mas então da pra editar no Premiere um filme quando falamos de edição de verdade, montagem.”

Claro que dá! E não há nada de incrível ou revolucionário nisso. A questão aqui é: VOCÊ DEVE? Alguém faria essa ESCOLHA? Eu duvido muito!

Tratando-se da grande indústria do cinema, onde os profissionais tem conhecimentos de softwares infinitas vezes superiores ao Premiere, onde todo o workflow já é pensado e já funciona em outros softwares, onde câmeras usadas normalmente já possuem funções e workflows pensados para outros softwares, não existe razão alguma para alguém escolher o Premiere, o Vegas, FCPX ou softwares menores para editar ou pra qualquer outra função.

"Ah mas então porque usaram nesse ou naquele filme?".

MARKETING é a palavra mágica aqui! Tanto a Adobe quanto qualquer outra empresa ganham muito divulgando algo assim. Então essas empresas investem de alguma forma no filme (ou em alguns casos são a própria produtora do filme) para que assim um software ou um equipamento X ou Y seja usado no filme. Assim a empresa acaba vendendo muitos produtos utilizando o marketing "olha gente meu produto foi utilizado em tal filme".

Mas amigos, ninguém (ou quase ninguém) em sã consciência em Hollywood vai usar Premiere por escolha própria. Estamos falando de produções com milhões de dólares ali investidos. As pessoas em um projeto assim querem softwares completamente estáveis e seguros antes de mais nada. Querem um software que não vá acontecer de um projeto ser corrompido (mesmo tendo mil backups), que não vá ter travamentos, lags e por aí vai. E é por isso que ainda hoje o AVID continua sendo o mais usado de muito longe para a montagem de filmes, pois entrega segurança e estabilidade como nenhum outro.

Outro ponto importante é o software ter uma boa forma de trabalhar em conjunto e também de forma remota, com vários profissionais trabalhando no mesmo projeto ao mesmo tempo. No exemplo mesmo do Adobe Premiere, este só veio a ter estes recursos recentemente na versão 2018, e mesmo assim duvido que seja confiável e estável o suficiente, afinal de contas nem trabalhando sozinho ele consegue entregar isso, que dirá remoto e em grupo.

Enquanto tínhamos a conversa no grupo do Whatsapp que deu origem a este artigo, o profissional Wilton Matos, acostumado a trabalhar em grandes produções, comentou sobre os workflows normalmente utilizados nestes projetos:

“Para completar o que o André disse, essa montagem do filme em programas de edição como Premiere, AVID e afins se chama montagem offline. Nela trabalha-se normalmente com mídias proxys e depois que o trabalho de montagem é feito eles exportam o XML para que os assistentes separem os layers que irão pra cada setor: VFX, grading, motion e etc. Aí sim, nos outros softwares é onde é feito o conforme do filme online, com o material nativo que irá posteriormente ser publicado esses takes e integrados com sistema de gerenciamento de takes como Ftrack, Shotgun e etc. Na grande maioria das vezes nem sequer voltam às cenas para o programa de montagem, normalmente acabam dando saída por um software mais robusto de entrega como o Smoke (Narcos por exemplo saiu assim), Flame ou o próprio Davinci Resolve (entretenimento na O2 por exemplo sai pelo Davinci Resolce e a Publicidade pelo Flame).

Software de composição tem um “round trip” pensado pra distribuição em grande escala, no Hiero ou no flame por exemplo quando o profissional faz render de um take, a timeline do programa já atualiza com a última versão de render, quando é integrado com as ferramentas de gerenciamento de takes os supervisores já visualizam esse render e dão as observações ou aprovam cada efeito.”

Onde eu quero chegar com esse artigo é tentar explicar e deixar claro para que as pessoas não comprem essas idéias. A grande indústria dificilmente irá escolher softwares como estes para grandes produções. Talvez exista uma exceção aqui ou ali, mas na sua maioria são apenas grandes jogadas de marketing.

Querem um outro exemplo bem atual (dezembro de 2018)? Quantas milhares de pessoas estão bradando por ai o "incrível" fato de que o filme “The possession of Hannah Grace” (no Brasil “Cadáver”) teria supostamente sido gravado inteiramente com 6 câmeras Sony a7s II? Digo supostamente pois recentemente tivemos o caso da Samsung que fez marketing com supostas fotos tiradas com um de seus celulares e que no fim ficou comprovado que era fotos de uma câmera DSLR.

Pergunto a vocês: quantas milhares de câmeras a Sony não vendeu (e ainda vai vender) depois de divulgar essa história do filme? Eu sinceramente me recuso a acreditar que as pessoas comprem uma ideia boba dessas… ainda mais que a produtora do filme é, pasmem, a própria Sony!

Quem raios em sã consciência dentro de Hollywood, com altos orçamentos, vai escolher trabalhar com uma câmera mirrorless, pior ainda, com a mirrorless que mais da trabalho e gasta tempo em pós-produção (que é normalmente a parte mais cara do processo de um filme), ao invés de escolher trabalhar com câmeras que vão ter uma pós-produção mil vezes melhor e mais rápida e que ainda vão entregar um resultado final muito melhor. Só pra exemplificar, faça um chroma key com uma a7s II e outro com uma Arri, uma RED ou uma UMP e você verá a diferença de pós-produção.

Me digam quem em sã consciência vai escolher ter um bit depth de 8 bits para tratar suas cores na pós, uma pior ciência de cor, um dynamic range menor, menos qualidade final de imagem, menos opções e recursos na câmera, etc, etc, etc… quem vai preferir ter menos na hora de gravar um filme podendo ter mais?

Preciso lembrar que não estamos falando de Brasil onde quase ninguém pode ter ou sequer alugar uma RED, uma ARRI, ou até mesmo uma UMP. Estamos falando de filmes de grandes produções e ainda mais, estamos falando do mercado audiovisual norte-americano. Ninguém vai escolher trabalhar com uma a7s II numa situação dessas caros amigos. Acho difícil que até mesmo numa produção nacional isso acontecesse, que dirá lá.

Mas claro, nada impede que a Sony (que só por acaso é a produtora do filme) obrigue o filme a ser gravado com tais câmeras como uma gigante jogada de marketing para vender mais câmeras. E aí se ganha duas vezes, primeiro com a venda do filme e depois com a venda de milhares de câmeras.

Então caros leitores eu digo: não caiam nessas bobagens. O mesmo vale para o que se fala por aí no YouTube, tantos youtubers fazendo reviews e testes nada honestos, muitos pagos para falar o que falam. Procurem saber o que realmente é usado em larga escala e suas razões. Procurem saber quem são as pessoas que estão falando algo e por aí vai. As razões de se escolher um equipamento x ou y, um software x ou y na hora de se produzir existem e tem porquês e lógica.

Na esperança de ter ajudado e esclarecido algo para algumas pessoas eu me despeço por aqui, um grande abraço e até o próximo artigo.

​​Artigo escrito por André Rodrigues — https://linktr.ee/souandrerodrigues

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Agradecimento especial ao Wilton Matos pela ajuda na elaboração do artigo.

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